A notícia do brutal parrícidio ocorrido em São Paulo no último dia 20 de maio, ecoou pela sociedade como um grito dissonante, um alarme estridente que nos desperta para o abismo que separa nossa compreensão da complexidade da existência humana. O jovem, de apenas 16 anos, assassinou com tiros seus pais e irmã sob a alegação dos genitores terem tirado seu celular e o chamarem de “vagabundo”. A comoção é inevitável; a busca por respostas, urgente. No entanto, é nesse momento de fragilidade e de perplexidade, que devemos resistir à tentação de ceder a interpretações simplistas e julgamentos apressados.
O crime, em sua crueza, é inegável. A violência choca, a perda de vidas é irreparável. Mas reduzir a motivação do jovem ao mero “vício em telas”, como tenho visto em comentários recorrentes de “especialistas”, é fechar os olhos para a miríade de fatores que moldam o ser humano. É cair na armadilha da superficialidade, da busca por um bode expiatório que nos exima da responsabilidade de confrontar a complexidade da existência.
Atribuir a violência do jovem ao vício em telas é ignorar a teia complexa de relações que o constituem. É desconsiderar o papel da família, da escola, da sociedade, na formação de sua personalidade. É esquecer que o ser humano não é um autômato, mas um ser em constante devir, em busca de sentido e significado em um mundo que muitas vezes se apresenta caótico e absurdo.
A enxurrada de comentários preconceituosos que se seguiu à tragédia é sintomática da nossa dificuldade em lidar com a alteridade, com o diferente, com aquilo que nos escapa à compreensão. É mais fácil rotular, julgar, condenar, do que tentar entender a complexidade do outro. E é justamente nesse esforço de compreensão que reside a possibilidade de transformação, de crescimento, de construção de um mundo mais justo e humano.
O jovem deve ser condenado da forma mais rigorosa que manda a lei? Sim! Não há dúvidas sobre isso. Ao mesmo tempo, ele merece, como qualquer outro ser humano, o cuidado que uma alma doente deve receber. O que fez ele puxar o gatilho é produto mais vil e visceral de uma sociedade corrompida por falsos valores moralistas. O mesmo chorume que agora clama pela diminuição da maioridade penal colocou a arma na mão desse agressor.
O vício em telas, por si só, não explica a violência. Ele pode ser um sintoma, um indício de um mal-estar mais profundo, de uma falta de sentido, de uma dificuldade em lidar com as frustrações e desafios da vida. Mas não é a causa única, nem a principal. Reduzir a complexidade do ser humano a um único fator é negar sua singularidade, liberdade e capacidade de escolher e de agir.
Em vez de julgar e condenar, devemos buscar compreender. Em vez de rotular, devemos dialogar. Em vez de simplificar, devemos complexificar. Essa tragédia em São Paulo é um chamado à reflexão, um convite a olhar para dentro de nós mesmos e para o mundo que nos cerca com olhos mais atentos, mais críticos, mais humanos. É um lembrete de que somos todos seres lançados em um mundo que nos desafia a cada instante a encontrar sentido e significado em meio ao caos e à incerteza.
Que essa tragédia ocorrida em São Paulo nos inspire a construir um mundo mais justo, mais humano, mais compreensivo. Um mundo em que a violência seja repudiada e em que a complexidade do ser humano seja respeitada e valorizada. Um mundo em que cada sujeito possa encontrar seu lugar, seu sentido e sua realização.
Os impactos do vício em telas no psiquismo
A imersão desmedida e desassistida no universo digital, especialmente para os jovens em formação, configura-se como um desafio à saúde psíquica. A exposição ininterrupta a estímulos intensos, porém superficiais, aliada ao distanciamento do contato humano genuíno e da natureza e à ausência de tempo para o ócio contemplativo, pode engendrar um mal-estar que se manifesta em ansiedade, depressão, irritabilidade e dificuldades de concentração e relacionamento interpessoal.
Contudo, é crucial reconhecer a complexidade e a multidimensionalidade do fenômeno do vício em telas. Cada indivíduo responde de maneira singular ao excesso de estímulos digitais, e a intensidade dos efeitos varia conforme a idade, a personalidade e os contextos social e familiar. O vício em telas não é a origem única dos transtornos psíquicos, mas um catalisador que pode agravá-los ou desencadeá-los em indivíduos predispostos. Torna-se, portanto, imprescindível considerar a totalidade da experiência do jovem, incluindo suas relações familiares, escolares e sociais, bem como seus traumas e conflitos internos.
A tragédia que recentemente abalou a zona oeste de São Paulo serve como um alerta pungente para a necessidade de vigilância constante em relação aos sinais de sofrimento psíquico em nossos jovens. O isolamento, a irritabilidade, a dificuldade de concentração e a perda de interesse por atividades outrora prazerosas podem ser indicadores de um desequilíbrio emocional.
É imperativo oferecer aos jovens espaços de escuta atenta, diálogo franco e acolhimento incondicional. É preciso auxiliá-los no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, no enfrentamento das frustrações e desafios inerentes à vida e na busca por sentido e significado em um mundo cada vez mais imerso no universo digital.
O vício em telas não é uma condenação irreversível, mas um obstáculo a ser superado por meio de informação, apoio e acompanhamento profissional qualificado. É necessário investir em políticas públicas de prevenção e tratamento do vício em telas, em instituições de ensino que promovam o desenvolvimento integral dos alunos e em famílias que ofereçam amor, limites e suporte aos seus filhos.
A regulação das redes sociais emerge como imperativo ético e social inadiável, especialmente quando consideramos o impacto do uso excessivo de telas no desenvolvimento psíquico dos jovens. A exposição constante a conteúdos violentos, a comparação social exacerbada e a busca incessante por aprovação virtual podem gerar ansiedade, depressão, baixa autoestima e até mesmo comportamentos autodestrutivos. A regulação, portanto, pode contribuir para a criação de um ambiente digital mais seguro e saudável, protegendo os jovens dos perigos da internet e incentivando o uso responsável da tecnologia.
A liberdade de expressão, embora seja um valor fundamental, não pode ser invocada para justificar a propagação de desinformação e violência. As redes sociais devem ser espaços de diálogo construtivo, de intercâmbio de ideias e de colaboração para a construção de um mundo mais justo e equitativo. A regulação, conduzida de forma democrática e participativa, pode ser um instrumento eficaz para assegurar que a tecnologia seja utilizada em prol do bem comum, e não como um mecanismo de manipulação e controle.