Recentemente, uma conhecida relatou ter passado mal após ter comido um lanche com seu pai durante um passeio em um fim de semana. O que chamou a atenção neste evento foram os detalhes envolvidos. Não se tratava de um lanche qualquer, mas de um que o pai havia descrito como possivelmente o melhor que já havia provado. Havia uma memória afetiva do pai relacionada a essa experiência gastronômica, levando-o a se deslocar para outra cidade a fim de saborear a iguaria. Um ponto importante é que a filha é celíaca, ou seja, intolerante ao glúten, informação que o pai conhecia muito bem, mas mesmo assim insistiu para que ela provasse o lanche. Para não desagradá-lo, ela comeu o lanche e, consequentemente, passou muito mal.
Ao ouvir o relato dessa experiência, a expressão “o que temos que engolir para agradar os outros” veio imediatamente à minha mente. Essa frase se refere de forma literal ao alimento que a pessoa comeu, mesmo sabendo que não poderia tolerá-lo, apenas para não desagradar o pai que estava tão entusiasmado em reproduzir a alegre experiência que ele mesmo havia vivido anteriormente.
É evidente que a intenção do pai não era prejudicar negativamente a filha. Pelo contrário, ele desejava proporcionar a ela uma experiência positiva, igual à que ele próprio havia vivido. O problema é que a maioria das pessoas ao nosso redor não consegue entender que o que é bom para elas pode não ser bom para todos.
Seria fantástico se todas as pessoas compartilhassem a minha própria perspectiva do mundo. Nesse cenário, as coisas seriam muito mais simples, menos dolorosas e mais aceitáveis. Entretanto, esta é uma situação simplesmente impossível. Ainda que visões de mundo possam ser compatíveis, elas jamais serão idênticas, uma vez que a construção de uma experiência é um processo subjetivo que varia de indivíduo para indivíduo.
Para compreender melhor essa construção, é crucial examinarmos as emoções mais detalhadamente. Existem três categorias principais de emoções: as inatas, as aprendidas e as fabricadas1. As emoções inatas ou primárias são aquelas com as quais nascemos, as aprendidas ou secundárias são aquelas que adquirimos ao longo de nossa história de vida, e as fabricadas são emoções que utilizamos para influenciar os outros e obter resultados desejados, como a criança que chora para receber alimento.
Neste caso, vamos nos concentrar apenas nas emoções aprendidas para compreender a subjetividade de um indivíduo. O amor, por exemplo, é uma emoção secundária. Não nascemos com ele, mas o aprendemos ao longo da vida. Isso significa que ninguém no mundo ama de forma exatamente igual. As pessoas podem amar de maneira similar ou equivalente, mas nunca de modo idêntico. Por exemplo, um homem que agride sua esposa pode amá-la, mesmo que essa concepção seja completamente distorcida e incompatível com a sua noção de amor, por exemplo.
É crucial compreendermos que as emoções desempenham um papel fundamental na forma como classificamos as experiências humanas. Por exemplo, a mesma festa pode ser recordada por um participante como uma experiência alegre, enquanto para outro participante pode se constituir em uma memória triste.
A maneira pela qual classificamos nossas experiências e construímos o mundo circundante de nossa própria consciência nos torna sujeitos desse próprio mundo. Por vezes, esse mundo é um lugar agradável de se habitar, outras vezes, não. A intenção de querer fazer com que todos habitem e coexistam nesse mundo seria um caos.
Embora meus próprios padrões, preferências e experiências sejam íntimos e exclusivos, para viver em sociedade, é necessário compartilhar e interagir com os universos conscientes dos outros. No entanto, nunca se deve permitir que um mundo domine completamente outro, pois isso resultaria em opressão e sofrimento. É fundamental encontrar um equilíbrio entre impor nossos próprios limites e respeitar os limites dos outros. Aceitar as diferenças e promover uma coexistência saudável requer habilidade de negociação e flexibilidade. Apenas assim poderemos construir um ambiente social em que cada indivíduo possa se expressar livremente, sem que nenhum seja subjugado pelo outro.
Precisamos sempre compreender o mundo alheio, os desejos, os anseios, os medos, e aceitá-los, mesmo as vezes não concordando com eles, mas devemos consguir impor limites claros para poder haver uma convivência pacífica entre esses habitantes estranhos.
Saber dizer não de forma assertiva é importante e o primeiro passo para deixar de engolir as coisas que não preciso apenas para agradar os outros.
- Nassif, L. E. (2016). Construtivismo terapêutico nas terapias cognitivas pós-racionalistas. In Federação Brasileira de Terapias Cognitivas, Neufeld, C. B., Falcone, E. M. O. & Rangé, B. (Orgs.). PROCOGNITIVA Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: Ciclo 2. (pp. 9-45). Porto Alegre: Artmed Panamericana. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 4). ↩︎